O confinamento doméstico recomendado pela pandemia do Covid-19 tem trazido desafios para os casais, principalmente nos casos em que a relação já não estava boa. Estresse, medo, raiva, mudança de rotina e a divisão de tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos se somam, dificultando ainda mais a convivência a dois. O problema tende a piorar à medida em que o casal se depara com a perspectiva de perdas financeiras e com o risco de doença na família imediata. Não por acaso a cidade de Wuhan, na China, viu o número de divórcios dobrar após o fim do isolamento social.
Viver 24 horas por dia compartilhando o mesmo espaço, sob condições estressantes, evidencia aspectos que até então estavam latentes na dinâmica do casal. Relacionamentos com vínculos saudáveis devem sair ainda mais fortes desta crise, enquanto relações marcadas por padrões de comunicação negativos e por dificuldades de negociação devem terminar mais desgastadas.
Episódios como este também nos fazem refletir sobre a finitude da vida, o nosso passado, os nossos erros e o que desejamos para o futuro. Neste contexto, podemos começar a questionar se queremos ou não continuar casados. Ideias de amor romântico nos fazem acreditar que se o amor é verdadeiro devemos ter vontade de passar o máximo de tempo com nosso parceiro. No entanto, como terapeuta de casal, percebo que relacionamentos saudáveis se baseiam em um equilíbrio entre administrar o tempo que queremos estar juntos enquanto casal (conjugalidade) e termos uma existência separada (individualidade).
Durante a semana de trabalho, costumamos ver nosso parceiro de manhã e à noite. A quarentena, porém, muda esta realidade com a qual nos acostumamos de duas formas. Primeiro, ela elimina a distância saudável que precisamos no dia a dia para sentir falta um do outro. Segundo, a quarentena nos impede de realizar atividades individuais sem a presença constante do outro, como trabalho intelectual, exercício físico e conversas com amigos, que são essenciais não apenas para manter a individualidade, mas também como mecanismos de enfrentamento da pressão diária. À medida em que reduzimos ou acabamos com as interações sociais além do casal, ficamos mais propensos a entrar em conflito com a única pessoa que está do nosso lado o tempo inteiro.
O que fazer para minimizar os problemas?
As sugestões a seguir servem para qualquer relacionamento, esteja em conflito ou não, mas são especialmente úteis para este período que vivemos. A palavra-chave aqui é flexibilidade.
Ser empáticos com os sentimentos do outro: nem todos estão reagindo à pandemia da mesma forma: uns podem estar mais calmos e outros em pânico. É importante reconhecer os sentimentos, escutando o outro e se fazendo escutar. Vocês não precisam concordar, apenas se apoiarem mutuamente.
Comunicar suas necessidades começando com a palavra “Eu”: não é possível discutir por tudo, então devemos escolher nossas batalhas com cuidado. Podemos reclamar sem culpabilizar o outro, utilizando uma técnica eficiente, desenvolvida pelos terapeutas de casal Drs. John e Julie Gottman: “EU sinto ______ e EU preciso _____”. Desta forma, quando falamos de nós mesmos para descrever nossos sentimentos e necessidades, o outro deixa de enxergar aquilo como crítica e, consequentemente, fica menos reativo. Devemos também lembrar de não fazer uma “leitura mental” do outro. Só porque vocês dois se conhecem bem não quer dizer que sejam capazes de saber o que passa pela cabeça do outro.
Renegociar as regras: uma situação nova exige regras de convivência novas. Como já não podemos contar com a ajuda de outras pessoas para fazer as tarefas domésticas ou cuidar dos filhos, precisamos dividir a sobrecarga com nosso parceiro. Façam uma lista das atividades e quais as responsabilidades de cada um. Caso tenham filhos mais velhos, eles também devem participar destas decisões, cooperando dentro dos seus limites. Como diria o velho ditado, “o combinado não sai caro”.
Dar espaço para o outro: quem estiver muito estressado pode pedir um tempo para ficar a sós em um cômodo da casa, ou então apenas em silêncio. Isto não significa que uma pessoa não goste da outra. Todos nós precisamos de um espaço próprio para exercer nossa individualidade, reorganizar nossos pensamentos e nos acalmar.
Lembrar dos problemas que vocês superaram juntos: muitos casais já passaram por situações difíceis no passado, como perdas financeiras, desemprego, período de doença ou mortes de parentes. Como vocês superaram estas crises? Quais estratégias usaram? Vale usar as mesmas estratégias agora ou precisam de novas formas de enfrentamento? Um casal é um time, e um time unido é sempre mais forte.
Expressar afeto um pelo outro: mesmo em situações excepcionais, devemos sempre demonstrar carinho e interesse genuíno pelo nosso parceiro. Neste momento vale aproveitar a oportunidade para fazer coisas que sempre quiseram fazer juntos, mas nunca tiveram tempo. Experimentem um novo hobby, jogo de tabuleiro ou seriado de TV. Cozinhem juntos. Conversem sobre sexo e busquem novas formas de prazer.
Lembrem que esta situação não vai durar para sempre. Se mesmo com todas estas dicas vocês ainda sentirem que precisam de ajuda, marquem uma consulta on-line com um terapeuta de casais. Às vezes as insatisfações rotineiras escondem problemas maiores, que precisam da mediação de um profissional experiente.