Aborto Espontâneo, Natimorto e Morte Perinatal: lutos não reconhecidos

Aborto Espontâneo, Natimorto e Morte Perinatal: lutos não reconhecidos

O tema do luto perinatal, isto é, aquele que ocorre devido à perda de um filho na gestação, no nascimento ou na primeira semana de vida do bebê, voltou a ser discutido pela sociedade após muitas celebridades dividirem suas histórias dolorosas após sofrerem um aborto espontâneo, por exemplo.

Quando falamos em luto não reconhecido (ou luto não autorizado) estamos nos referindo a um tipo de luto que foge às normas socialmente estabelecidas, “que tentam especificar quem, quando, onde, como, quanto e por quem pessoas deveriam lamentar”, explica o Dr. Kenneth Doka, especialista da Universidade de Nova Rochelle, nos EUA. Por isso é comum mães e pais, que acabaram de perder seus bebês, ouvirem frases de consolo insensíveis do tipo “mas ainda estava no início da gravidez”, ou “você ainda é jovem, pode ter mais filhos”, ou, pior ainda, “que bom que você já tem outros filhos”.

Por sinal, essas frases não ajudam e reduzem aquela perda, que é única para a mulher. Recentemente, Meghan Markle declarou publicamente: “perder um filho significa carregar uma dor quase insuportável, vivida por muitos, mas mencionada por poucos”. É um grande tabu conversar a respeito. Não é à toa que o luto perinatal é um dos mais cercados de silêncio, isolamento e desinformação. Vale ressaltar, que todo bebê, esteja ainda dentro da barriga da mãe ou não, faz parte de um projeto de vida, de desejos, planos, aspirações, e expectativas dos pais. Em outras palavras: o vínculo de afeto já existe e não pode ser minimizado.

O momento inicial após a perda é de choque e, frequentemente, os pais se isolam em uma tentativa de lidar com a dor. Outros sentimentos comuns de virem à tona neste momento são inconformidade (“por que isso aconteceu com a gente?”), culpa (“será que perdi meu bebê porque me exercitei?”; “não deveríamos ter esperado tanto tempo para ter filhos”, “o que há de errado com a gente?”), vazio (sensação da mãe de haver perdido uma parte do seu corpo), fracasso (no cumprimento do ato de procriar), medo (de uma futura gravidez) e confusão (já que, neste caso, a vida se sobrepôs à morte).

Ainda que o cenário atual esteja mudando, o despreparo e a falta de empatia de muitas equipes hospitalares podem agravar ainda mais este tipo de luto. Alguns rituais são de suma importância: ter um último contato com o feto ou bebê, nomeá-lo, despedir-se e, sempre que a lei permitir, enterrá-lo. Nos casos em que o feto é pequeno demais a preocupação dos pais pode girar em torno de que destino será dado ao corpo do bebê. E, nos casos de aborto espontâneo, a única recordação que os pais terão do filho são as ultrassonografias. Em outras situações, a família dos pais (geralmente os avós), em uma tentativa de poupá-los da dor, desmancha sem autorização o quarto do bebê, tarefa esta que, por mais sofrida que seja, deve ser realizada pelos pais em seu próprio tempo.

Se os fatos decorrentes da perda do bebê não forem bem gerenciados, o luto pode ser ainda mais complicado. “A não elaboração desse luto, seja pelo equívoco de apressar uma gravidez de ´substituição´, seja pela falta de espaços de luto causada pela ausência de reconhecimento social dessas perdas, tem potencialmente consequências muito graves para o relacionamento do casal e para a saúde psicológica da mãe e da família” (1).

Neste momento o papel de terapeuta de luto deve ser o de trabalhar com os pais os sentimentos em relação à perda, sobretudo os de medo e culpa, examinando suas fantasias sobre a criança que perderam e ajudando-os a refletir sobre o significado da gravidez. A perda deve ser materializada e, para isto, os rituais de luto acima mencionados são de suma importância. Cada indivíduo passa pelo processo de luto de forma única, de acordo com sua história de vida, cultura, valores e crenças. Sendo assim, o terapeuta de luto auxilia o paciente a expressar suas emoções e pensamentos, além de aprender a lidar com os desafios e mudanças que uma grande perda acarreta.

Converse com amigos que enfrentaram uma situação como essa e encoraje-os a buscar ajuda de um terapeuta especializado. A vida pode ser mais leve quando somos acolhidos nesse processo.

  1. Binotto, A. M. F. (2015). Natimorto, Aborto e Perda Perinatal: a morte no lugar do nascimento. Em: Casellato, G. (Org). Dor Silenciosa ou Dor Silenciada. São Paulo: Polo Books, p. 35-50.

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